No Spotify, a música da Beyoncé vale o mesmo que a minha, todos são iguais, acredita o cantor Marcelo Jeneci
Imagem: Reprodução/EstadãoNo Spotify, a música da Beyoncé vale o mesmo que a minha, todos são iguais, acredita o cantor Marcelo Jeneci
Na Suécia, o fenômeno do download ilegal de música que estourou no início da década passada com serviços como Napster, Kazaa e SoulSeek, foi especialmente forte. O país contou com banda larga de qualidade muito antes que os Estados Unidos, com velocidades como 10 MB já comuns nessa época. “Fui da primeira geração que passou a adolescência na internet”, lembrou em entrevista ao Financial Times, Daniel Ek, fundador do Spotify. “Vi tudo isso dez anos antes de todo mundo”. saiba mais Streaming de música no Brasil é mais barato que na Europa e nos EUA Spotify faz convite para evento no Brasi Spotify libera acesso a alguns usuários brasileiros Spotify tem dificuldade para estrear no Brasil Leia mais sobre Spotify
Antes de fundar o Spotify em 2008, Ek foi CEO do uTorrent, ferramenta de compartilhamento de arquivos condenada pela indústria. O executivo só tinha 24 anos, mas já acumulava uma longa experiência em negócios, iniciada com uma pequena empresa de design aos 14.
Segundo Ek, músico desde a infância, o Spotify surgiu para solucionar uma situação em que “você tinha um produto legal que era pior que o roubado”. Na Suécia, onde música é produto nobre na pauta de exportação, pode-se imaginar a preocupação causada pelo consumo ilegal de música. “Me perturbava que a indústria musical tinha descido pelo ralo, apesar de que pessoas estavam ouvindo mais música do que nunca”, disse Ek à Forbes.
O Spotify se tornou uma força dominante na música sueca. “Em meu país, o Spotify é responsável não apenas por 70% da receita da música digital, mas de toda a música, incluindo venda de álbuns físicos”, declarou Ek.
Em 2009, o serviço começou a ser lançado em outros países. Hoje, em 53 nações diferentes, o Spotify é considerado o líder global do mercado de streaming musical pago e traz playlists de músicos famosos e canais de marcas como Rolling Stone, Victoria’s Secret e Disney Pixar. Além disso, fez nascer uma comunidade de sites, blogs, aplicativos e ferramentas que se integram com o site.
O barulho é grande, mas ainda há muito o que percorrer para materializar isso em números de usuários. Em todo o mundo, são 10 milhões de usuários pagos e 40 milhões de usuários totais. Embora sejam quantidades que colocam a empresa como líder no segmento de streaming pago, eles encolhem diante da audiência do YouTube, considerado o maior site de streaming musical do mundo. Totalmente gratuito e com muito conteúdo extra-musical, o site de vídeos pertencente tem 1 bilhão de visitantes únicos por mês.
Esperado desde meados de 2013, o Spotify foi lançado oficialmente no Brasil na última quarta-feira, 28, depois de ser oferecido para testes para formadores de opinião e artistas.
Estratégia
A principal meta do Spotify por aqui é arrebanhar os usuários de serviços ilegais de música, seguindo o exemplo de outros países por onde passou. “Nosso principal concorrente é a pirataria”, declarou
Diament no lançamento. Como aconteceu em outros mercados, a indústria aplaude. Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), que representa as gravadoras do País, Paulo Rosa, “o melhor remédio contra a pirataria online é o licenciamento de meios de acesso por streaming, e o Spotify e serviços similares são nossos grandes aliados”.
O YouTube é outro rival. O Brasil tem a segunda maior audiência do site de vídeos do Google, e foi nele que se popularizou um dos principais gêneros de sucesso no País hoje, o funk ostentação. Como armas nessa briga, o Spotify aposta na optimização e na personalização para o ouvinte. “Temos investimento pesado em algoritmos e curadoria humana para oferecer ao usuário o que ele pode querer ouvir daqui a um minuto”, acredita Gustavo Diament.
O serviço também põe suas fichas na aproximação entre artistas e fãs — pela plataforma, é possível saber o que cantores como Gilberto Gil e Lorde estão ouvindo e escutar listas feitas pelos músicos — e no lado social, com força na integração com o Facebook e no compartilhamento de playlists com os amigos. “O Spotify foi social desde o início, com ferramentas que te deixam dividir a música com quem você quiser”, disse Ek à revista Forbes. Segundo Maurício Bussab, diretor da distribuidora independente Tratore, além do lado “humano”, o Spotify tem a vantagem de ser um serviço mais específico. “O YouTube tem variedade, com versões raras, mas é desorganizado. O Spotify vai direto ao ponto”.
Bussab, entretanto, não vê diferenças entre o Spotify e serviços concorrentes, como o francês Deezer, o também sueco Rdio (fundado pelos criadores do ilegal Kazaa) e o Napster, que depois dos processos, se tornou legal. “Tecnicamente, são todos semelhantes. A diferença é a maneira de se comunicar com o usuário, que, aqui no Brasil, é alguém que hoje faz a troca ilegal de arquivos”, diz o diretor da Tratore.
Baixa renda
O Spotify e seus concorrentes já foram muito criticados por artistas como Thom Yorke, do Radiohead, pelo baixo pagamento oferecido pela execução de cada música – cerca de R$ 0,015, segundo dados divulgados pela empresa no final de 2013.
Para Gustavo Diament, o baixo pagamento é um problema de escala, que será resolvido com o crescimento da plataforma. “É preciso fazer crescer a torta”, diz ele, que afirma que a empresa reverte 70% de sua receita para pagar aos donos dos direitos sobre as músicas (muitas vezes, fatiados entre gravadoras, editoras musicais e os artistas). O representante das gravadoras também defende o modelo proposto. “É algo muito novo, pulverizado em bilhões de micro-transações”, diz o presidente da ABPD.
Outra crítica frequente ao serviço é a de que ele não oferece oportunidades iguais a artistas novos e consagrados, ao contrário do que propagandeia. Questionado sobre o assunto, Marcelo Jeneci, que participou do lançamento, diz apreciar a horizontalidade da plataforma. “A minha música vale o mesmo que a da Beyoncé”, embora o músico afirme que o pagamento oferecido pela música digital, seja no YouTube, iTunes ou via streaming, “ainda nem faz cócega no bolso”.
Para o produtor Pena Schmidt, veterano da indústria brasileira, a igualdade proposta pelo serviço é uma falácia. “A maioria dos artistas é colocada num oceano horizontal de irrelevância, onde todos são iguais. No fim, as sugestões que o site faz acabam sendo cheias de estrelas comerciais na primeira página”.
Entretanto, a oportunidade de aparecer para mais gente é vista com bons olhos, seja qual for a plataforma. “A música independente é uma música incerta. No iTunes, poucos usuários vão gastar alguns centavos para ouvir algo novo, enquanto o streaming propõe uma experimentação maior, e faz com que os artistas novos sejam ouvidos”, avalia Maurício Bussab, da Tratore. “É bom ter mais gente no tabuleiro”, avalia Jeneci.
Tecnologia
Outro tema bastante discutido acerca do Spotify é que, apesar de lucrar com a música, a empresa não nega sua origem no setor da tecnologia. “Somos a junção de duas paixões, mas somos uma empresa de tecnologia. 70% dos nossos funcionários são programadores”, explica Diament. A tomada da música digital por companhias da área tecnológica, entretanto, não é uma novidade: desde o iTunes até o streaming, passando pelo YouTube, todas as grandes iniciativas desse mercado têm partido de tecnologia, e não da indústria fonográfica.
Para Bussab, essa determinação é um fator positivo. “As gravadoras tentaram emplacar serviços, mas tinham rabo preso. As empresas de tecnologia estão distantes do negócio da música, mas são capazes de fazer um serviço útil para o usuário”, diz ele. O presidente da ABPD também vê esse movimento como algo benéfico: “os produtores de música precisaram de parceiros dentro do contexto digital, e essa solução me parece mais que natural”.
Entretanto, há quem acredite que a parceria não mostra nada de novo, mas sim repete velhos modelos da indústria fonográfica. Thom Yorke já disse que o Spotify é “a última flatulência de um cadáver desesperado”, fazendo menção às gravadoras. O produtor Pena Schmidt segue a mesma linha: “a velha indústria agora manda e lucra porque se mudou para o reino virtual da venda de licenças, cada vez mais imprescindíveis para qualquer que seja a tecnologia que transporte a música”.