O embaixador brasileiro na ONU, Antonio Patriota, disse que a decisão da Justiça norte-americana sobre a dívida argentina preocupa por expor a racionalidade de decisões jurídicas e tem "efeitos perversos para sociedades inteiras".
Patriota falou sobre a ação dos fundos especulativos após o ministro da economia da Argentina, Axel Kicillof, nesta quarta-feira (25) na sede da ONU. O argentino disse que a ação dos fundos especulativos, chamados "fundos abutre", põe em perigo o sistema financeiro global.
Na semana passada, a Justiça dos EUA rejeitou apelação da Argentina para evitar o pagamento de US$ 1,33 bilhão a credores de fundos de hedge, que não aceitaram a renegociação da dívida do país, ao contrário de cerca de 92% dos demais credores. Estes têm recebido do governo argentino pagamentos parcelados. O próximo, de US$ 900 milhões, vence na segunda-feira (30).
Segundo nota do Itamaraty, Patriota disse "que o caso dos fundos abutres expõe a irracionalidade de decisões judiciais domésticas com implicações sistêmicas no plano internacional". E afirmou que é preciso "evitar que o setor privado se comporte de forma insensível e insustentável" e "meditar sobre decisões jurídicas domésticas com efeitos perversos para sociedades inteiras e para a governança financeira internacional".
Os chefes de Estado do Mercosul e da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) já haviam divulgado uma declaração de apoio à Argentina. No comunicado, os chefes de Estado do Mercosul "manifestam seu mais absoluto rechaço à atitude de ditos fundos", que colocam obstáculos ao "sucesso de acordos definitivos entre devedores e credores e põe em risco a estabilidade financeira dos países".
Kicillof disse ao Grupo dos 77 mais a China que a estabilidade de seu país estará em risco se cumprir a sentença judicial americana de pagar os fundos detentores de bônus de dívida que não aceitaram as reestruturações de 2005 e 2010.
"Nos impuseram condições que põem em risco, não apenas a reestruturação (da dívida externa), mas a economia em seu conjunto", declarou o ministro argentino. Kicillof foi além e disse que a "interpretação nova" que fazem os tribunais americanos da cláusula "pari passu" (sobre como devem cobrar os credores) "põe em risco também o sistema global" e "afeta ainda os países emergentes".
O titular de Economia da Argentina explicou com ajuda de gráficos a origem da grande dívida soberana de seu país, que cresceu principalmente durante a última ditadura militar (1976-1983). Kicillof lembrou que os fundos compraram títulos da dívida depois da reestruturação por conta da moratória de 2001 apenas para disputá-la legalmente. "Seu negócio é litigar em tribunais que lhes reconheçam 100% do que reivindicam", disse Kicillof, ressaltando que o NML Capital comprou dívida argentina em 2005 no valor de US$ 48,7 milhões e conseguiu que os tribunais americanos lhe concedam o direito a cobrar US$ 832 milhões.
Após a rejeição da Corte Suprema americana ao recurso argentino, a Argentina deve pagar na próxima segunda-feira, 30 de junho, cerca de US$ 1,5 bilhão entre capital e juros a NML e outros fundos que atuam de forma similar.
Kicillof disse ainda que isto abriria a porta a que os fundos que aceitaram a reestruturação (92,4% do total) reivindiquem também o total, que, segundo um cálculo "conservador", chegaria a US$ 120 bilhões.
Entenda
Após a notícia de que teria que quitar a dívidas, o governo da Argentina anunciou que não poderá pagar a parcela já negociada, prevista para 30 de junho. Com isso, na prática, o país pode dar um novo calote em parte de seus credores (investidores que compraram papéis da dívida do país).
O novo imbróglio argentino remonta à crise de 2001, quando em meio a grave crise econômica e política, a Argentina anunciou um calote em sua dívida pública, que era de cerca de US$ 100 bilhões.
Quatro anos depois, no governo Nestor Kirchner, o país tentou recuperar a credibilidade oferecendo a quem tinha sido prejudicado pelo calote pagamentos com descontos acima de 70%. Mais de 90% dos credores aceitaram a proposta e vêm recebendo esses pagamentos em parcelas (a dívida reestruturada). Os que não aceitaram, no entanto, recorreram a tribunais internacionais.
Em 2012, um dos casos, movido por fundos especulativos, recebeu uma decisão favorável da Justiça dos Estados Unidos, que determinou que a Argentina deveria pagar US$ 1,33 bilhão aos fundos. O governo argentino recorreu, e o caso chegou à Suprema Corte dos EUA, que decidiu manter a condenação, derrubando uma medida cautelar que suspendia os efeitos da determinação judicial anterior.
"A suspensão do "stay" (medida cautelar) por parte da Justiça impossibilita o pagamento em Nova York da próxima parcela da dívida reestruturada [as parcelas pagas aos credores que aceitaram o desconto] e revela a ausência de vontade de negociação em condições distintas às obtidas na sentença ditada pelo juiz Griesa", disse o ministério da Economia argentino.