
Ouvir vaias durante a competição incomodou. Ouvir vaias no pódio doeu demais. Mas o consolo que Renaud Lavillenie recebeu após ser alvo da torcida presente na cerimônia de entrega de medalhas no Engenhão o fez enxergar um novo horizonte no esporte. Chamado pelo recordista mundial Sergei Bubka para conversar nos bastidores, o francês aceitou que Thiago Braz fosse incluído no papo. E, ali, em uma sala do estádio olímpico do Rio de Janeiro, entendeu que a rivalidade sadia com o brasileiro poderia levar os dois a um novo nível de rendimento. Foi uma tentativa de virar a página de um lamentável episódio, tão triste que o fez cogitar deixar o pódio durante a cerimônia.
- O pódio é um momento intenso e muito importante, mas quando você está lá e as pessoas te vaiam, elas mostram um desrespeito profundo pelo que fiz. Normalmente o pódio é um momento para você curtir e ver o brilho. Eu pensei em sair, mas eu tentei me controlar e não parecer mal, porque precisava ficar lá - disse Lavillenie.
Campeão olímpico em 2012, Renaud Lavillenie foi derrotado por Thiago no último salto. O brasileiro conseguiu a façanha de ultrapassar o sarrafo a 6,03m, superando a marca dos seis metros pela primeira vez na carreira. Surpreendeu a todos e conquistou um inédito ouro para o Brasil na prova. De quebra, ainda quebrou o recorde olímpico. Lavillenie, que havia passado por 5,98m na primeira tentativa, tentou a barreira dos 6,08m. Não obteve sucesso e ficou com a prata.
- Pensei em sair do pódio. (...) Logo depois, (Thomas) Bach (presidente do COI) e (Sebastian) Coe (presidente da IAAF) falaram comigo para tentar me consolar. E depois Bubka, que é muito próximo. Ele me perguntou se eu gostaria que Thiago viesse e que poderíamos ter uma troca. Foi um momento importante para compreender que o que fizemos na competição foi incrível e tinha sido importante para o esporte. E que o que há entre eu e Thiago não foi jamais falta de respeito e que nosso objetivo deve ser continuar competindo juntos para seguir puxando um ao outro e fazer sempre o melhor possível.
O papo entre Lavillenie, Bubka e Thiago pouco girou em torno de vaias e críticas do francês. A conversa teve como objetivo virar a página na história.
- Não conversamos muito sobre o que aconteceu, conversamos sobre o salto em altura, sobre nossa relação, sobre os valores que queremos no esporte olímpico. Foi mais um lance de compartilhar um bom momento e tentar seguir adiante. Todos sabemos que não vamos esquecer nunca, mas vamos tentar fazer o melhor possível para sermos bons nas próximas competições e puxarmos um ao outro até um alto nível - disse o francês.
Lavillenie é muito amigo de Fabiana Murer e de Elson Miranda, marido e técnico da saltadora. Elson era também treinador de Thiago, que decidiu trocar de técnico no meio deste ciclo e treinar com a lenda Vitay Petrov na Itália, mentor de Bubka e Yelena Isinbayeva. O francês negou que o atrito entre Thiago e Elson tenha influenciado a relação entre os saltadores.
- Não há relação com isso. O fato de Thiago ter ido para a Itália não tem relação. Na verdade, tivemos menos competições juntos, nos vimos bem menos. Acho que o vi quatro vezes, enquanto vi o Augusto, que continua treinando com o Elson, umas dez vezes. Nós nos comunicamos menos, mas jamais me fechei ao Thiago. Ele tomou a decisão. Todo mundo faz mudanças. É uma coisa normal.
Lavillanie só vai deixar o Rio de Janeiro na próxima segunda-feira, depois da cerimônia de encerramento da Olimpíada - ele ainda tem cinco competições este ano, sendo três etapas da Diamond League. O francês espera que com o tempo sua imagem melhore diante dos brasileiros.
- Antes de vir, eu estava muito feliz de vir ao Brasil, porque tinha ouvido falar muito bem. Infelizmente, tive essa má experiência. Sei que essa não é a imagem do Brasil. Foram algumas pessoas que regiram mal durante a competição. Sei que não é todo o Brasil que é assim. Espero que todos compreendam e que possam me ver com a imagem que me corresponde.
Lavillenie chegou como franco favorito ao ouro olímpico. Só entrou na disputa com o sarrafo a 5,75m, quando seis dos 12 finalistas estavam eliminados. Passou por todas as alturas estabelecidas pela organização na primeira tentativa até chegar a 5,98m, quando quebrou o recorde olímpico. Ali já estava com a prata garantida, com uma mão no ouro.
A essa altura, a torcida já havia se dado conta de que Lavillenie era um obstáculo entre Thiago e o título de campeão. Começou a vaiá-lo. Ele fez sinal de negativo, o que só tornou as manifestações das arquibancadas mais acaloradas. Na base do tudo ou nada, Thiago decidiu arriscar passar a 6,03m pela primeira vez na carreira. O francês errou duas vezes. O brasileiro surpreendeu e acertou na segunda. Com um erro do rival a 6,08m, Thiago levou o ouro.
- De fato a competição estava boa no começo. O público estava incrível, bom para todo mundo. Era uma prova boa para um nível olímpico, mesmo com a chuva que complicou e atrasou. Em seguida, quando Thiago fez 5,93m tudo mudou. Primeiro o americano foi (vaiado), o polonês. Depois ficamos eu contra Thiago. De fato o público a partir desse momento estava por Thiago, que seria normal. Mas contra mim o barulho foi enorme, e precisamos de uma concentração extraordinária. Thiago não precisava disso porque estava suficientemente forte para vencer.
Após ser derrotado, com a cabeça quente, Lavillenie foi extremamente infeliz ao comparar o tratamento recebido no Estádio Olímpico nesta segunda-feira ao dado ao multicampeão Jesse Owens nos Jogos de 1936, na Alemanha nazista. A repercussão da declaração foi imediata, e o francês logo se deu conta de que havia errado na dose. Se retratou e deixou claro que não teve intenção de ofender os brasileiros.
- Quando fiz a comparação, não pensei na Alemanha Nazista. Vi um filme sobre Jesse Owens. Naquele momento, pensei no fato de os alemães terem sido hostis com ele no estádio. Foi o sentimento que senti. Os alemãs foram racistas, e aqui não foi isso. Não tenho nada contra o público brasileiro.